História de Café
O café tem sua história envolta em mistérios e lendas e não se conhecem documentos que registrem com clareza sua descoberta e aproveitamento. Uma delas conta que a bebida foi criada pelo arcanjo Gabriel, a fim de restaurar as forças de Maomé, que, após ingeri-la, tornou-se capaz de derrubar quarenta cavaleiros e conquistar igual número de damas.
A tradição oral conta que as qualidades desse fruto, como fonte de vigor e ânimo, foram descobertas pelo pastor etíope Kaldi. Ao perceber estarem suas cabras particularmente agitadas, notou que comiam folhas e grãos de um arbusto até então ignorados por todos: pés de café. Monges que viviam na região prepararam uma infusão com o fruto, passando a tomá-la assiduamente, pois esta os mantinha despertos para melhor enfrentar as longas noites de vigília e oração.
As evidências botânicas sugerem que a planta do café originou-se na Etiópia Central (onde ainda crescem vários milhares de pés acima do nível do mar). Ninguém parece saber exatamente quando o primeiro café foi tomado, mas os registros dizem que foi em sua terra nativa, em meados do século XV. Também sabemos que foi cultivado no Iêmen (antes conhecido como Arábia), com a aprovação do governo, aproximadamente na mesma época, e pensa-se que talvez os Persas levaram-no para a Etiópia no século VI d.C., período em que invadiram a região. Nos séculos seguintes, propagou-se o uso do café pelo Egito, Síria, Turquia e todo o oriente próximo.
No início, o café foi utilizado como alimento, logo passou a vinho, artigo medicinal e, finalmente, teve seu reconhecimento como uma bebida. Os árabes foram os primeiros a cultivar o café (daí Coffea Arabica, nome científico de uma das mais importantes espécies do café). Os Árabes foram também os primeiros a beber o café, em vez de comer ou mascar, como os pioneiros. Os Turcos adotaram um modo especial de prepará-lo com base na obtenção de um pó para infusão, sem coar, método este conhecido até hoje como Café Turco.
Devido à proibição de bebidas alcoólicas pela religião maometana, o café tomou conta do mundo Árabe, passando a ser consumido por todos: nos lares ao amanhecer, nas mesquitas durante os cultos religiosos, nas estações para reconfortar os viajantes ou nas Casas de Café instaladas nas grandes cidades.
À medida em que o café tornou-se cada vez mais popular, salas especiais nas casas dos mais abastados foram reservadas para se tomar café, e Casas de Café começaram a aparecer nas cidades. A primeira abriu em Meca, no final do século XV e início do XVI e, embora originalmente fossem lugares de reuniões religiosas, esses amplos saguões onde os clientes se sentavam em esteiras de palha ou colchões sobre o chão, rapidamente tornaram-se centros de música, dança, jogos de xadrez, gamão, conversas em locais em que se faziam negócios.
Conhecida como Vinho do Islã, a bebida sofreu no início do século XVI sua primeira perseguição, chegando a ser proibida durante algum tempo pelos maometanos. Sua popularidade espalhou-se por Cairo, Constantinopla e para todas as partes do Oriente Médio, mas os muçulmanos devotos desaprovavam todas as bebidas tóxicas, incluindo o café, e consideravam as Casas de Café como uma ameaça à observância religiosa. Às vezes, esses centros populares de diversão eram atacados e destruídos por fanáticos religiosos, e alguns governantes apoiavam a proibição do café e impunham punições aterrorizadoras: aqueles que desobedecessem poderiam ser açoitados, presos dentro de um saco de couro e atirados no Bósforo.
Posteriormente, essa resistência ao café foi vencida e até mesmo os doutores maometanos aderiram à bebida para auxiliar o processo digestivo e também para alegrar o espírito. O consumo da bebida tornou-se tão popular na Arábia que a infusão do café passou a ser chamada "Kahwah" ou "Cahue", que em árabe significa "força".
De Meca, o café espalhou-se, durante o século XVI, pelo mundo oriental, atingindo Damasco, Alepo, Istambul e a cidade do Cairo, que se tornou o grande mercado distribuidor do produto. Para manter o monopólio da rubiácea, os árabes somente permitiam que saíssem do país grãos previamente fervidos, que não germinariam em outras terras. Esta medida, porém, não impediu que os holandeses levassem a planta para Java, Sumatra e Ceilão e, posteriormente, para as Antilhas Holandesas, atingindo as colônias uma produção de cerca de 500 toneladas anuais.
O primeiro divulgador do café na Europa foi o alemão Leonardo Rauwolf que viajou pelo oriente em 1592, seguindo-se o botânico italiano Prospero Alpini. Mas admite-se também que, antes, em Veneza, nos fins do século XVI, apareceram as primeiras xícaras de café vendidas na Europa Ocidental. Entre os propagandistas do café na Itália, citam-se Pietro Della Valle e Onório Belli.
Inicialmente, o café foi conhecido na Europa por suas propriedades medicinais, de grande e variado poder curativo, que alçaram-no à categoria de verdadeira panacéia, atingindo preço elevadíssimo. A partir do século XVII, porém, o mundo europeu passara a adotar o café como bebida. Sua introdução na Europa, em moldes comerciais, deve-se aos holandeses, responsáveis também pela divulgação do cafeeiro pelo mundo. De um arbusto, trazido de Java para o Jardim Botânico de Amsterdã, foram tiradas mudas posteriormente ofertadas aos principais jardins botânicos europeus.
Na Itália, onde entrou em 1615 através do porto de Veneza, o produto teve que vencer forte resistência da Igreja. Cristãos fanáticos incitaram o Papa Clemente VIII a condenar o consumo da bebida, tida como invenção de Satanás. Ao provar o café, porém, o papa declarou: "Esta bebida é tão deliciosa que seria um pecado deixá-la somente para os infiéis. Vençamos Satanás, dando-lhe nossa bênção e tornando-a verdadeiramente cristã". Em decorrência dessa bênção papal os cafés proliferaram em Veneza (o primeiro café público se instalou em 1643) e Gênova e, no fim do século XVII, eram encontrados em todo o país. Na França o café foi introduzido por Thévenot em 1659, tornou-se hábito na corte de Luiz XIV.
Em 1650, em Oxford, um judeu libanês chamado Jacobs instalou o primeiro estabelecimento de venda do produto na Europa. Dois anos depois, o grego Pasquá Rosée abre em Londres o primeiro café e manda publicar, no The Publish Adviser, o mais antigo anúncio de café de que temos notícia: "Na Travessa Bartolomeu, por detrás da Bolsa Velha, pode-se tomar a bebida chamada café, muito saudável e portadora de excelentes virtudes: fecha o diafragma, aumenta o calor interno, ajuda a digestão, aguça o espírito, dá leveza ao coração, é boa para dor d'olhos, tosse, gripe, resfriados, tuberculose, dor de cabeça, hidropisia, gota, escorbuto, escrofulose e muitas outras moléstias. É vendida tanto de manhã como às três horas da tarde".
O hábito de tomar café agradava ao espírito pragmático dos ingleses, pois, como observavam, era uma bebida inocente, que, ao contrário do álcool, não perturbava as atividades vespertinas daqueles que a ingeriam durante o almoço. Paralelamente ao sucesso obtido pela bebida, surgem movimentos de contestação, como aquele promovido pelas mulheres inglesas, que, talvez insufladas pelos cervejeiros, insurgiram-se contra o seu uso. Segundo elas, o café "gasta a força viril dos homens e torna-os áridos como as areias da Arábia, de onde veio esse grão maldito".
Em Paris, um levantino instalou, no Petit Chatelet, uma boutique para venda de café em grão ou como infusão, contribuindo muito para a divulgação do produto, que, em breve, passou a ser grandemente apreciado pelos reis e pela nobreza francesa, a ponto de o Cardeal Mazzarino mandar vir da Itália um especialista no preparo da bebida. Durante o reinado de Luiz XIV, Paris inteira comentava os jantares oferecidos à corte pelo embaixador de Maomé IV, Solimão Agá Mustafá, nos quais o ponto alto era a cerimônia de preparação do café, servido por belos escravos, vestidos à moda turca.
O café arraigou-se nos hábitos do povo alemão, que preferia a bebida misturada com leite. Em 1680, instalou-se em Hamburgo o primeiro café para venda ao público. Nas Kaffehaus, pequenas orquestras começam a se apresentar, unindo a bebida a outra paixão dos alemães: a música. Entre esses grupos podemos destacar o Collegium, de Leipzig, cujo diretor, Johann Sebastian Bach, compôs, em 1732, sua célebre Cantata ao Café, para ser tocada nessas ocasiões. Frederico, o Grande, da Prússia, preocupado com a evasão de divisas decorrentes da importação de café, promulgou um decreto, em 1781, proibindo o uso de café que não fosse torrado em estabelecimentos oficiais. Como estes cobravam um preço exorbitante, o produto passou a ser inacessível ao bolso das classes populares, diminuindo, assim, o consumo da bebida no país.
O uso do café em Viena teve origem quando, após o cerco de 1683, os turcos abandonaram a cidade deixando entre despojos algumas sacas de um produto desconhecido, inicialmente confundido com forragem para animais. Frans George Kolschitzky que, tendo vivido no Oriente, conhecia os grãos, apoderou-se das sacas e procedeu à elaboração e venda do produto, ao qual juntou açúcar e creme chantilly, assim nascendo o tão apreciado Café Vienense.
O consumo foi consagrado por nomes famosos como Rousseau, Voltaire, Richelieu, Diderot e outros pensadores, músicos e celebridades. Até mesmo Napoleão Bonaparte, general e imperador da França de 1804 a 1815, foi um dos mais dedicados admiradores do café. Certa vez, disse: "Um café forte e abundante me deixa desperto e atento. O café me dá uma energia e calor além de uma força incomum, uma dor que não ocorre sem prazer. Mas eu prefiro sofrer do que ser um insensato e imbecil".Nos Estados Unidos, o café passou a ser conhecido em meados do século XVII, trazido pelos holandeses, que ocupavam Manhattan, então chamada New Amsterdan. Nova Iorque tornou-se um grande mercado da rubiácea e, já em 1732, funcionava em Wall Street a Exchange Coffee House of New York, depois substituída pela Merchant's Coffee.
Os frutos vermelhos também seduziram os holandeses. E foi através da Holanda e de seu intenso comércio marítimo que o café chegou ao Novo Mundo, ou seja, à América. Os primeiros países a receberem o café foram as Guianas, Martinica, São Domingos, Porto Rico e Cuba.
O café só chegou ao Brasil em 1727, trazido da Guiana Francesa pelo sargento-mór Francisco de Melo Palheta, especialmente enviado pelo governo ao país vizinho para conseguir mudas do produto. A obtenção das sementes, que eram proibidas aos portugueses, está envolta em uma aura de romantismo: a esposa do governador da Guiana, tendo-se apaixonado por Palheta, o teria presenteado, na despedida, com um punhado de sementes de café.
Desde então, esta planta extraordinária mudou a historia de dezenas de países, envolvendo aspectos sociais, políticos e econômicos. Mas o mais importante é que apreciar um bom café ajuda todos a enfrentar melhor o nosso dia.