O Espresso
Para muitos, tomar café significa apenas a primeira marcha engatada para começar o dia ou o arrematar de uma refeição. Para outros, um ritual, em que a grande estrela é um Espresso bem tirado. Resultado de uma combinação dos mais intensos aromas e sabores, o café Espresso vem ganhando rapidamente grande espaço no Brasil.
O Espresso perfeito é o ponto máximo do café. Equivale a um bom vinho pela complexidade da química envolvida, mas não melhora com a idade. Não é o café feito ou para ser tomado rapidamente. O termo Espresso significa sob pressão e, segundo a definição italiana, "o termo Espresso refere-se a um pedido feito para a ocasião: o café é preparado coando-se rapidamente uma pequena quantidade de água aquecida e pressurizada por um bolo comprimido de grãos de café torrado, moídos bem fino". O gosto é tão denso, entretanto, que pode permanecer na boca até por meia hora.
Durante décadas, preparar um Espresso era arte ou loteria. Os artistas operavam as máquinas de café nos bares da Europa. Os amadores que tentavam fazer Espresso em casa dependiam mais da sorte, e o eventual sucesso servia apenas para lembrá-los do motivo por que se empenhavam naquela tarefa.
Atualmente, porém, o Espresso perfeito pode ser encontrado praticamente em qualquer lugar. É possível até fazê-lo em casa, graças a máquinas novas, que produzem bom café regularmente e exigem um mínimo de trabalho no arranjo das porções individuais.
Em meados do século XIX, o café já se encontrava estabelecido na Europa como commodity. Apesar do crescimento do mercado, houve poucas mudanças ao longo dos séculos no modo como o produto era preparado, restrito ao chamado método turco ou por infusão. Em ambos, grãos de café torrado são primeiramente moídos e, a seguir, colocados em água. A técnica turca exige que a água seja fervida três vezes antes que o pó possa assentar e o café, servido. Na infusão, o café moído é encharcado por alguns minutos na água fervente e o líquido produzido é coado.
Esses métodos tinham problemas: as etapas de fervura eliminavam os delicados sabores do café turco e resultavam numa bebida adstringente, à qual normalmente se acrescentavam açúcar e cardamomo. Já a infusão não extraía mais do que 20% dos óleos e substâncias voláteis que dão ao café aroma e sabor únicos.
No fim do século XIX, surge a percolação, que trouxe mais qualidade ao produto final e abriu caminho para a revolução do Espresso, a partir de 1900. A percolação envolvia a passagem da água fervente pelo café moído pelo efeito da gravidade ou pela pressão do vapor.
Mas, em termos de inovação, o método Moca foi mais importante. Aqui, a água é fervida em uma câmara inferior e passa, com a pressão do vapor, por um filtro de metal com o café moído, até chegar à câmara superior, de onde é servido. O líquido produzido é forte e, por vezes, bem amargo.
O Espresso também depende de pressão. Mas, enquanto o pote de Moca produz apenas uma atmosfera de pressão, as máquinas de Espresso exigem, no mínimo, nove (dez seria o ideal). O Espresso transcende outros cafés graças ao maior poder de extração dos aromas e sabores essenciais.
A primeira máquina de Espresso de que se tem notícia foi exibida na feira de Paris, em 1855. Entretanto, aceita-se que o inventor da moderna máquina de Espresso tenha sido Luigi Bezzerra, empresário italiano que deu início à fabricação comercial em 1901.
Em 1945, uma máquina fabricada pela Gaggia, também italiana, simplificou o projeto ao introduzir uma manivela movida por mola para controlar um pistão e comprimir a água. Gaggia levou sua revolucionária máquina de Espresso para Londres na década de 50 e abriu um "Mocha Bar" na Frith Street em Soho. A primeira bomba para máquinas de café Espresso foi produzida por Faema em 1960.
Outra onda de inovações ocorreu em 1961, quando Ernesto Valente, mais um italiano, pensou em substituir a mola na manivela por uma bomba elétrica giratória. Como não havia bomba que operasse em água fervente, optou por comprimir água fria, que depois passava por um trocador de calor e chegava ao café moído na temperatura ideal de 90º C. Resultado: o modelo Faema E61, cujos principais elementos ainda definem as máquinas de Espresso atuais.
O Espresso é pleno de surpresas químicas e olfativas. Uma delas é o menor teor de cafeína em relação a praticamente qualquer outra forma de café pronto.
A segunda surpresa é a diversidade de substâncias químicas existentes num único grão de café torrado. Cientistas estimam mais de 1.200, das quais talvez 800 sejam compostos voláteis responsáveis pelo aroma. O processo de feitura do Espresso é o que mais libera substâncias voláteis.
O aroma é vital no Espresso perfeito. Cerca de 70% do que percebemos é aroma, os restantes 30% são apreendidos pelos receptadores de gosto localizados na língua.
O café perfeito exige preparo excelente e grãos de alta qualidade. Se apenas um entre os 50 for ruim, a xícara ficará aquém da perfeição. A torra deve ser uniforme e a moagem, calibrada. Assim, o café resultante permitirá que a água quente passe sem percalços e extraia o sabor. O perfeito balanceamento de grãos, garante uma bebida requintada, de sabor inigualável.
Os fabricantes demoraram décadas para decifrar cada elemento desse processo de extração de sabor. O maior desafio continua a ser como evitar grãos ruins, com defeitos. Dois grãos em cem fazem o café perder qualidade. Poucas empresas, contudo, têm condições de arcar com os custos dos equipamentos necessários para livrar os lotes de grãos defeituosos.
Os segredos de um perfeito café Espresso cremoso se iniciam, todavia, por algumas exigências incondicionais, que vão desde a "fórmula exata" (7 gramas de pó devem receber 25 ml de água em apenas 25 segundos), até a máquina adequada, passando, fundamentalmente, pela utilização de um produto ideal para Espresso.
O creme do Espresso também traduz alguns pontos importantes sobre a bebida e a forma como ela foi "tirada". A espessa e rica camada de creme serve para a manutenção da temperatura e preservação do aroma do Espresso antes de ser consumido, aderindo à parede da xícara. Quando o creme fica espesso e duradouro, com cor homogênea, retendo uma porção de açúcar, é sinal de que o café foi bem tirado.
Para um perfeito Espresso, a torra deve ser quase clara (média para clara), porque, com isso, se preservam os óleos responsáveis pelo aroma. A moagem também desempenha papel importante. Quando o pó fica muito grosso, a água passa rapidamente, resultando numa bebida fraca e sem creme. Se a moagem for muito fina, o café demora a sair. A bebida fica excessivamente amarga, fria e com uma mancha branca no centro da xícara. Estas devem ter paredes grossas, fundo abaulado e estarem previamente aquecidas, detalhes para manter a bebida quente por mais tempo.
Além disso, o creme (espuma) do café Espresso mantém a temperatura e preserva seu aroma. O processo de extração gera um denso creme marrom claro com 3 a 4 mm de espessura em toda superfície da xícara que deve manter a cor homogênea e, se retiver o açúcar durante alguns segundos, comprova a qualidade de um Espresso. Formada por minúsculas bolhas de gás presas num filme líquido, a espuma guarda os intensos aromas e sabores e mantém o calor do café. O bom creme depende da qualidade do produto e da habilidade no preparo: no Espresso perfeito, é uma camada de cor castanha, ou "pele de tigre"; é consistente, se mantém enquanto houver líquido na xícara e sustenta o peso do açúcar durante alguns segundos.